Os contratos de parceria pecuária como forma de planejamento tributário

RESUMO

A parceria pecuária constitui uma modalidade de produção em que dois ou mais produtores rural se juntam para produzir e dividir os lucros da atividade, esta prática pode trazer benefícios de redução tributária para os envolvidos de acordo com a simples escolha de como proceder com o contrato e a forma de divisão dos resultados. Com a análise levantada foi possível identificar significativa redução dos tributos sobre a renda (IR, CSLL, PIS e COFINS), também é abordado o que precisa ser observado para que seja pertinente a aplicação dos procedimentos de apuração dos impostos, evitando futuros problemas com a fiscalização por aproveitamento indevido de benefícios fiscais.

1. INTRODUÇÃO

Planejamento tributário é essencial em qualquer atividade, e quando se fala na atividade rural temos um ponto a mais para discutir pois, conforme afirmado pelo tributarista Fabio Calcini (2017) a tributação diferenciada no agronegócio não é privilégio, a atividade conta com inúmeras peculiaridades que não podem ser ignoradas pelo legislador, como sazonalidade da produção, dependência de fatores climáticos, influência de fatores biológicos, perecibilidade, baixo valor agregado, etc. Como exemplo desta instabilidade do setor do agronegócio, pode-se citar que conforme divulgado pelo IBGE (2018), em 2017 o PIB brasileiro obteve uma alta após dois anos consecutivos de retração, sendo o agronegócio o grande responsável por este feito devido a safra recorde. Já em 2019, o PIB do agronegócio iniciou o ano com uma queda de 0,15% (CEPEA, 2019). Neste artigo trataremos especificamente da atividade pecuária, e como reduzir a carga tributária através de contratos de parceria pecuária, levando em consideração da importância desta atividade para o Brasil, o planejamento tributário é sempre uma ferramenta que não pode ser ignorada, pois é muitas vezes através dele que se garante a margem de sobrevivência do negócio.

2. PARCERIA RURAL E ARRENDAMENTO MERCANTIL

Hodiernamente o que regulamenta e diferencia parceria rural de arrendamento mercantil é a Lei 4.504/1964, mais conhecida como Estatuto da Terra. No § 1º art. 92 a lei garante ao parceiro ou arrendatário o uso da terra cedida em parceria ou imóvel arrendado (BRASIL, 1964), determinando também alguns preceitos
básicos para a diferenciação de ambos os contratos, que basicamente se dá na responsabilidade dos envolvidos nas obrigações e nos direitos sobre a atividade
produtiva desenvolvida.
No arrendamento é negociado apenas o valor sobre o aluguel da terra, o qual Lei determina que não ultrapasse 15% do valor do imóvel e suas benfeitorias, salvo em caso de glebas selecionadas para fins de exploração intensiva e alta rentabilidade, neste caso pode chegar a até 30% do valor do imóvel, não arcando o arrendador com as perdas ou altas na produção.
Para que isto ocorra é necessário que seja estabelecido um valor fixo para o contrato, que será reajustado apenas em função dos índices divulgados pelo Conselho Nacional de Economia, não tendo relação com a produção ou os rendimentos obtidos pela atividade rural desenvolvida na propriedade.
Já a Parceria Rural é o contrato agrário onde a pessoa cede a outra por tempo determinado ou não o uso de imóvel rural ou de parte dele, com o objetivo de ser
exercida atividade agrícola, ou lhe entrega animais para fins de cria, recria, engorda, ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha isolada ou cumulativamente dos riscos da atividade como: casos fortuitos, os frutos, os lucros, as variações de preços, etc. (art. 96, Lei 4.504/1964).
Observa-se que na parceria rural ambas as partes estão envolvidas diretamente com o processo produtivo, há colaboração para que a atividade seja compensatória caso contrário o prejuízo também deverá ser arcado por todos.

3. CARACTERIZAÇÃO DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCATIL E PARCERIA PECUÁRIA

Para exemplificar a economia tributária abrangida pela parceria rural, trataremos do modelo de parceria pecuária, em que um dos parceiros é responsável pela engorda dos animais bovinos, enquanto o outro tem a posse dos animais. Supondo que o parceiro dono dos animais (outorgante), tem a necessidade de emprega-los em engorda no modelo de confinamento a fim de que o ganho de peso seja mais rápido, porém não possui a estrutura necessária para tal feito, enquanto que o parceiro confinador (outorgado) possui a estrutura e pode receber os animais em sua propriedade dando-lhes o que for preciso para que se atinja o objetivo, neste caso a engorda para destinar os animais ao abate.
Nesta situação, cabe aos parceiros escolher qual será a melhor forma de tratamento da operação, por isso estabeleceremos duas opções que se enquadraram
em arrendamento mercantil e parceria pecuária respectivamente.

3.1. Primeira Opção – Arrendamento Mercantil

Nesta opção o arrendatário entrega os animais na propriedade do arrendador para que sejam empregados em confinamento, durante o período de permanência
dos animais na propriedade eles usufruirão de toda a infraestrutura e a suplementação necessária para o adequado ganho de peso, bem como de mão de obra qualificada.
Após atingido o peso desejado, estes seguirão para o frigorífico para serem abatidos. Encerra-se então o ciclo dos mesmos, faltando apenas o acerto financeiro
entre as partes.
Para receber a parte que lhe cabe, o arrendador estipula um valor fixo por diária e por cabeça, de forma que o valor que lhe é devido não sofre influência da
venda para o frigorífico, independe do preço de mercado, de morte de algum animal no trajeto e qualquer outra situação que possa ocorrer, o que determina a sua parte é apenas o tempo de dedicação a tais animais e o que lhes foi disponibilizado neste tempo.

3.2. Segunda Opção – Parceria Pecuária

Na segunda opção, o parceiro outorgado entrega os animais na propriedade do parceiro outorgante, o qual de forma semelhante a primeira opção, empregará os
animais em confinamento, disponibilizando a eles toda a infraestrutura, suplementação e mão de obra necessária.
A diferença aqui está na forma de recebimento por parte do parceiro outorgante, para ser caracterizado como parceria rural ele também precisa assumir os riscos da operação, dessa forma não pode simplesmente estabelecer um valor fixo por diária, portanto o acerto financeiro se dará pelo resultado do lucro do abate. Para fazer o cálculo correto os animais devem ser pesados ao adentrar na propriedade, fazendo o registro do peso de entrada pois nessa parte o parceiro outorgado não tem participação, terá parte apenas na diferença entre peso de entrada e peso de abate.
Após o abatimento e conhecido o resultado (quantidade arrobas liquida de carcaça), é que poderão fazer a divisão dos lucros de acordo com a porcentagem estipulada no contrato, o que não pode ser superior ao que é estipulado no art. 96 da lei 4.504 de 1964.
Nesta opção ambos os parceiros assumem os riscos da operação, pois como o resultado é dividido apenas após a finalização do abate eles repartem entre si o
resultado real da operação, onde nenhuma das partes sai privilegiada ou prejudicada, desta forma, se os resultados forem maiores que o esperado, ou se houver qualquer fortuito como desvalorização da arroba do boi, morte de animais, desvio de carga, etc., ambos arcarão com benefícios e prejuízos.

4. ANÁLISE TRIBUTÁRIA DAS OPÇÕES DE CONTRATO

A receita decorrente de arrendamento mercantil tem o mesmo tratamento das receitas decorrentes de aluguéis, conforme art. 41 e 52 do regulamento do Imposto sobre a renda (Decreto 9.580/2018). Abaixo na tabela 1 o resumo das tributações de acordo com o enquadramento tributário.

Já na parceria pecuária a receita é considerada parte da atividade rural, obedecendo, portanto, os critérios de receita bruta definidos pela legislação do imposto de renda para cálculo com as deduções previstas, além de poder utilizar também dos benefícios inerentes ao PIS e a COFINS, conforme demonstrado na tabela 2.

Comparando as duas tabelas fica evidente que a parceria pecuária possibilita ao produtor uma oferta de benefícios e procedimentos fiscais que ocasionam redução da carga tributária. O que determina a redução diz respeito a parceria pecuária ser atividade rural para ambos os parceiros, portanto para o parceiro outorgante haverá redução da sua receita, pois como o resultado da venda é dividido de acordo com o contrato logo diminui-se de sua receita os valores que foram repassados ao parceiro outorgado, portanto sobre essa parte, o parceiro outorgante não sofrerá qualquer tributação. No caso do parceiro outorgado, vigora as alíquotas demonstradas na tabela 2, aplicando sobre o imposto de renda e a contribuição social a apuração da base de cálculo somada as outras receitas pertinentes a atividade rural tendo direito a dedução de custos e despesas, depreciação acerada, compensação de 100% dos prejuízos fiscais de anos anteriores, etc. Em relação ao PIS e a COFINS ocorre a suspensão por se tratar de venda a frigorífico para produção de carne.

5. CONCLUSÃO

Ainda hoje os contratos de arrendamento se fazem mais difundidos no meio rural entre os produtores do que a parceria, muitos desconhecem os benefícios fiscais quando aplicado a parceria rural no lugar de arrendamentos. Cabe ao profissional responsável pela tributação a orientação ao produtor explicando que assumir os riscos da atividade desenvolvida pelo parceiro pode ser benéfico fiscalmente.

Se o cálculo for feito corretamente é possível alcançar receita semelhante ao que seria o arrendamento, e ainda aproveitar da redução da carga tributária. Para se obter os benefícios fiscais dos contratos de parceria rural é necessário que seja elaborado um contrato observando que todas as cláusulas obedeçam ao que dispõe o estatuto da terra, pois se apenas uma delas não estiver de acordo com o dispositivo legal o contrato pode ser descaracterizado, perdendo todos os benefícios fiscais aproveitados, tendo o produtor que tributar integralmente a receita.

AUTORIA:

Camila de Almeida

Analista fiscal | Via Fértil Produtos Agropecuários

Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil

https://www.linkedin.com/in/camila-de-almeida-88a306140/

https://www.instagram.com/camilalmeida21/?hl=pt-br

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9580.html>. Acesso em: 12. Mai. 2019.

BRASIL. Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a nãocumulatividade na cobrança da contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), nos casos que especifica; sobre o pagamento e o parcelamento de débitos tributários federais, a compensação de créditos fiscais, a declaração de inaptidão de inscrição de pessoas jurídicas, a legislação aduaneira, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10637.htm>. Acesso em: 12. Mai. 2019.

BRASIL. Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Altera a Legislação Tributária Federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.833.htm>. Acesso em: 12. Mai.2019.

BRASIL. Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009. Dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União aos entes federados que recebem recursos do Fundo de
Participação dos Municípios – FPM, no exercício de 2009, com o objetivo de superar dificuldades financeiras emergenciais; altera as Leis nos 11.786, de 25 de setembro de 2008, 9.503, de 23 de setembro de 1997, 11.882, de 23 de dezembro de 2008, 10.836, de 9 de janeiro de 2004, 11.314, de 3 de julho de 2006, 11.941, de 27 de maio de 2009, 10.925, de 23 de julho de 2004, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.893, de 13 de julho de 2004, 9.454, de 7 de abril de 1997, 11.945, de 4 de junho de 2009, 11.775, de 17 de setembro de 2008, 11.326, de 24 de julho de 2006, 8.427, de 27 de maio de 1992, 8.171, de 17 de janeiro de 1991, 5.917, de 10 de setembro de 1973, 11.977, de 7 de julho de 2009, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 9.703, de 17 de novembro de 1998, 10.865, de 30 de abril de 2004, 9.984, de 17 de julho de 2000, e 11.772, de 17 de setembro de 2008, a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001, e o Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976; revoga a Lei no 5.969, de 11 de dezembro de 1973, e o art. 13 da Lei no 11.322, de 13 de julho de 2006; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12058.htm>. Acesso em: 12. Mai. 2019.

BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 12. Mai. 2019.

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