RESUMO:
Este trabalho apresenta um estudo acerca da cultura de sonegação fiscal e seus reflexos, tendo como objetivo entender a maneira de pensar do contribuinte, apontado as justificativas, se plausíveis ou não, e os resultados de suas ações no desenvolvimento do país, revelando quem são os verdadeiros atingidos. Examina o cenário com alto índice de sonegação fiscal presente no Brasil, demonstrando os motivos que levam os empresários, grandes e pequenos a sonegarem, revelando qual a mentalidade e de onde nasce esse comportamento que vem sendo normalizado pela população. Apresenta sob o panorama religioso a resposta de Jesus Cristo aos fariseus, “Daí a César o que é de César”, ao ser indagado acerca do pagamento de tributos. Busca, por meio da hermenêutica, a averiguação do efeito borboleta que afetaria a sociedade atual caso Jesus se apresentasse contrário ao pagamento dos tributos ao Imperador César, comparando a realidade atual com a da época que fomentou tal pergunta. Almejando assim, explorar o discernimento da resposta, trazendo fundamentos claros que legitimam a necessidade de arrecadação fiscal para o funcionamento do Estado social, pautando o poder que a Bíblia tem de alterar o decurso das coisas, no mundo e na vida das pessoas, por meio dos ensinamentos deixados nas escrituras sagradas. Extraindo-se da reflexão as vertentes, consequências e amenizadores do crime no país.
PALAVRAS–CHAVE: Sistema tributário brasileiro. Tributação. Sonegação fiscal. Sonegar. Efeitos da sonegação. Crime de sonegação. Daí a César o que é de César.
ABSTRACT:
This paper presents a study about the culture of tax evasion and its consequences, aiming to understand the taxpayer’s way of thinking, pointing out the justifications, whether plausible or not, and the results of their actions in the country’s development, revealing who are the real hit. It examines the scenario with a high rate of tax evasion present in Brazil, demonstrating the reasons that lead businessmen, big and small, to evade, revealing the mentality and where this behavior that has been normalized by the population is born. It presents under the religious panorama the response of Jesus Christ to the Pharisees.
“Give to Caesar what is Caesar’s”, when asked about the payment of taxes. It seeks, through hermeneutics, to investigate the butterfly effect that would affect today’s society if Jesus were against paying tribute to Emperor Caesar, comparing the current reality with that of the time that prompted such a question. Thus, aiming to explore the discernment of the answer, bringing clear foundations that legitimize the need for tax collection for the functioning of the social State, guiding the power that the Bible has to change the course of things, in the world and in people’s lives, through of the teachings left in the sacred scriptures. Extracting from the reflection the aspects, consequences and mitigating factors of crime in the country.
KEYWORDS: Brazilian tax system. Taxation. Tax evasion. withhold. Effects of evasion. Crime of evasion. Hence to Caesar what is Caesar’s.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho enfatiza o aspecto cultural da sonegação, ressaltando os efeitos desta sobre a sociedade, e a relação existente com o panorama da corrupção no Brasil.
Para tal, apresenta toda a origem da sonegação fiscal no Brasil, apontando todas as raízes que geraram o cenário atual, estando entre os países com maiores índices de sonegação fiscal no mundo.
Dispõe como premissa a reflexão acerca da mentalidade que leva indivíduos comuns a sonegarem, reverberando nos altos índices encontrados, sendo que, diante dos inúmeros desafios do empreendedor no Brasil, nasceu-se essa premissa de que a resposta para sobreviver no mercado é a sonegação, tendo como acalento para a prática, em muitos casos, a notória corrupção instalada no país.
Demonstra através de uma reflexão das escrituras sagradas, como em uma passagem do evangelho, Jesus expressou sua vontade com os que o seguem acerca do pagamento ou não pagamento dos impostos ao Império Romano.
Destaca as justificativas dos sonegadores para o ato, assim como, escancara os números expressivos da sonegação no Brasil, levando em consideração as maiores vítimas e os maiores beneficiados nessa cultura de sonegação instalada.
Considera várias vertentes da sociedade, examinando quem são os sonegadores frustrados e iludidos, e quem são os verdadeiros privilegiados, evidenciando os efeitos que a sonegação tem na sociedade como um todo.
Debruça-se sobre decisões noticiadas a população que tangem sobre o crime, ao qual é possível constatar as evidencias da real força e aplicabilidade da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, que trata do crime de sonegação fiscal.
Ao fim, baseia-se em uma observação do cenário apresentado, para apontar a melhor e mais eficaz possibilidade de mudança, visando a redução da prática do crime.
2. Poder de tributar e a origem da sonegação fiscal no Brasil
Um dos poderes mais antigos desde a constituição da sociedade é o de arrecadação de tributos, concedido pelo povo ao Estado, mobilizado pelo fortalecimento da economia, evolução conjunta e custeio dos gastos, sendo o recolhimento necessário para a subsistência de todo o contexto e funcionamento societário. Partindo-se da premissa de união, visando o bem comum que compõe a nação.
Para Andréa Viol (2008, p.01) “o poder de tributar está na origem do Estado ou do Ente Político, pois permitiu que os homens deixassem de viver no que Hobbes definiu como o estado natural (ou a vida pré-política da humanidade) e passassem a constituir uma sociedade de facto, a geri-la mediante um governo, e a financiá-la; estabelecendo, assim, uma relação clara entre governante e governados.”
Desde os primórdios da civilização temos registros de corrupção e sonegação, dentro de contextos com muita tirania e abusos de poder, em que a população era obrigada a se submeter, sofrendo com muita exploração e insatisfação, por meio dos que encontravam-se no poder, a exemplo do Estado Moderno, com a figura do Monarca, que era detentor de todo o poder, e assim utilizava da arrecadação para custear todos os privilégios da coroa e as guerras.
Nessa época, o iluminista Jean-Jacques Rousseau, escreveu sua obra “O contrato social”. Justamente devido ao contexto de opressão vivido pela população, que após uma série de episódios, reverberou na Revolução Francesa em 1789, devido à grande insatisfação do povo, que viviam em situações miseráveis.
Verificamos que a existência de um Estado pleno nunca chegou a existir, pois até os dias atuais é imensa a insatisfação da população para com os detentores do poder, continuando a ter um grande quadro de corrupção e insatisfação popular. Juntamente com esse fato, emerge a sonegação fiscal, estando intimamente
interligados.
A sonegação fiscal ou evasão fiscal, se refere a todos os tributos que deveriam ser recolhidos aos cofres públicos, e que por um ato de ilicitude dos contribuintes, não pagam ou não recolhem esses tributos, sendo punível com pena que pode levar a prisão do infrator. Conforme a Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, que em seu artigo 1º, pauta as práticas que constituem o crime de sonegação fiscal, bem como as penalidades previstas. Vejamos:
Art. 1º – Constitui crime de sonegação fiscal:
I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que
deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno,
com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos,
taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;
II – inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de
qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a
intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda
Pública;
III – alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis
com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;
IV – fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando
as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública,
sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.
V – Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal. (Incluído pela Lei nº 5.569,
de 1969)
Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes
o valor do tributo.
A sonegação fiscal teve sua origem no Brasil desde a época colonial, com a descoberta do Pau Brasil, elemento extrativista, ao qual se instituiu o tributo chamado
quinto, que era todo repassado a metrópole de Portugal, a qual explorava o Brasil de forma corrupta e desenfreada.
Naquele primeiro momento do Brasil colônia se tinha, o quinto (sob pau brasil, ouro, metais, etc), impostos sobre o açúcar, couro, comércio de escravos, importação e exportação e o tabaco.
A partir de 1580 quando houve a aliança ibérica entre Portugal e Espanha, começaram a cobrar os chamados impostos extraordinários no Brasil., assim como também começaram a cobrar impostos direcionados a igreja, que na época detinha forte influência na política.
Segundo Gomes (2009) “O historiador Tobias Monteiro (1866-1952) estimou que só de Minas Gerais foram despachadas para Portugal cerca de 535 toneladas de ouro entre 1695 e 1817, no valor de 54 milhões de libras esterlinas da época, ou cerca de 12 bilhões de reais corrigidos em 2008. Outros 150 mil quilos de ouro teriam sido contrabandeados no mesmo período, no cálculo de Monteiro. Em 1729, o fluxo de riquezas para a metrópole aumentou ainda mais com a descoberta das jazidas de diamante na colônia. O historiador Pandiá Calógeras (1870-1934) avaliou em 3 milhões de quilates, ou 615 quilos, o total de diamantes extraído no Brasil de meados do século 18 ao começo do século 19.”
A descoberta do ouro levantou altos impostos por meio da população brasileira, naquela época a capitania de Minas Gerais era a mais rica em razão da extração de ouro e diamante, e já conseguia subsistir por si só, contudo, a coroa portuguesa ainda a explorava de forma abrupta, o que gerou enorme dissabor nessa relação. Essa insatisfação se intensificou com a ordem de derrama, que foi a cobrança obrigatória com o objetivo de alcançar as cem arrobas de ouro, para cumprimento de arrecadar a cota de ouro anual, estipulada pela coroa portuguesa.
A sonegação aparece em todo esse contexto de abuso e corrupção como ato revolucionário, pois inclusive, sofriam-se duras penas quando não pagavam o quinto, por isso, a revolta foi necessária para tentar se desvencilhar do domínio português. Assim, o alarme da derrama apavorou a capitania, o que culminou na Inconfidência Mineira, que objetivava romper com a coroa portuguesa, revolução esta, posteriormente interrompida.
A partir desse cenário de exploração evoluiu o sistema tributário brasileiro, porém, as raízes que eram para serem profundas, ainda estão a mostra. Hoje encontramos um país que visa a igualdade, mas que traz do seu passado estímulos aos privilégios antes concedidos a burguesia, o peso da alta carga tributária ainda recai sobre os mais pobres, como era no passado, além de intensificar o peso através da sonegação fiscal, ao qual o sistema concede íntimos privilégios aos abastados.
Segundo matéria publicada na revista Carta Capital, “a tributação brasileira, de cima a baixo, é um conjunto de impropérios baseados em visões de extremo curto prazo, desinformadas e focadas no benefício das elites. O tratamento brando com a sonegação é uma forma de o Estado permitir que o mais rico não pague muitos tributos, afundando em regressividade um sistema que já é regressivo pelo seu próprio desenho. Está tudo errado. É um caos.”
Assim, vemos que o peso continua sobre os ombros da população mais carente, que assim como no passado continua a ser explorada, mas agora acredita se que a burguesia e o proletariado estão juntos contra a corrupção da Coroa (governo), quando na verdade, estão lado a lado, como sempre estiveram.
3. Justificativas e efeitos da sonegação
O Brasil está entre os países com maior índice de sonegação fiscal no mundo, a sonegação fiscal é um crime muito grave, apesar de não ter sido tratado assim pelo legislador. A sonegação tira recursos que seriam destinados a população em geral, reverberando em uma verdadeira injustiça fiscal, visto que impacta diretamente na carga tributária, sendo demasiadamente alta, também porque os contribuintes são imprensados a pagar pelos que sonegam, desestabilizando toda a cadeia produtiva.
No Brasil, segundo a matéria da revista Carta Capital, “deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos, calcula o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio Camargo.”
No ano de 2022, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o prejuízo do país com a sonegação fiscal alcançou cerca de R$ 626,8 bilhões de reais, cerca de 24% do PIB estimado no terceiro trimestre de 2022 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica).
A sociedade brasileira tem uma ideia deturpada acerca da sonegação, e negligenciam os prejuízos que dela decorrem! É recorrente e cabalmente apontada a corrupção como grande responsável por problemas no país, porém, pouco se fala, ou pouco se sabe, sobre o gigantesco desfalque na arrecadação devido a sonegação, que também prejudica demasiadamente o financiamento do Estado.
Segundo matéria publicada na revista Carta Capital “A sonegação de impostos, por exemplo, tem sete vezes o tamanho da corrupção, mas recebe atenção mínima da sociedade e do noticiário.”
Segundo José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, com base em cálculos recentes, “o custo médio da corrupção chega a 67 bilhões anuais”, o que já é uma triste realidade, contudo, o desfalque é ainda maior no que tange a sonegação, merecendo igualmente os holofotes da sociedade como um grande problema a se combater.
Ante o exposto, percebemos que diferente da realidade apontada, a maior parte da população brasileira não mesura que a sonegação desvia muito mais dinheiro que a corrupção no Brasil. Depositando suas preocupações somente com as consequências da corrupção, porém, sem notar que há muito mais dinheiro público indo pelo ralo decorrente da sonegação.
Esse financiamento é necessário para que haja o custeio de toda estrutura que faz o Estado existir, suportando as enormes despesas públicas, garantindo a existência dos serviços públicos, a construção e manutenção dos locais com dignidade, bem como, para possibilitar investimentos que possam alavancar a capacidade produtiva no país.
A sociedade brasileira é mestra em imputar os problemas do país, como a
corrupção, à classe política ou a partidos determinados, porém ela própria é,
de um modo geral, corrupta e conivente com a corrupção. O crime de
sonegação, dentro da cultura brasileira, é visto por boa parte da sociedade
como uma proteção, um troco do cidadão perante os desmandos do Estado
Brasileiro. (VILLAS-BÔAS, 2015)
Quando os contribuintes escolhem sonegar, ele acaba por jogar todo o empenho arrecadatório do setor público em cima dos bons pagadores de tributos do
País, penalizando as pessoas mais pobres da sociedade, que sentirão ainda mais o peso da precariedade dos serviços públicos.
O crescimento do mercado informal é um dos efeitos colaterais da sonegação, isso porque o crime gera a redução de custo dos produtos, permitindo assim, disponibilizar aos clientes menores preços e condições, gerando uma verdadeira concorrência desleal.
Desse modo, para conseguir competir com os preços baixos, e ainda garantir a própria subsistência, é que muitos são levados à atividades que estão à margem da formalidade, sem registro, sem emissão de notas fiscais, sem empregados registrados e sem contribuições tributárias.
Para Marton (2015), “o contribuinte que pauta sua conduta nos termos da lei vê-se forçado, em razão da concorrência a deixar de pagar os tributos devidos, para igualar-se às condições do concorrente. Isto revela um dos efeitos deletérios da sonegação tributária: a contaminação do não-sonegador. Sem dúvida, o consumidor tem sua parcela de culpa nesse esquema, pois deixando de exigir a nota fiscal, auxilia a manutenção do procedimento ilegal”.
A sonegação no Brasil aparece de mãos dadas com a corrupção no que tange a crítica situação orçamentaria, contudo, o senso comum enxerga o ato de sonegar como uma “legitima defesa” face aos escândalos de corrupção e discordâncias sobre a gestão do país, sem entender que: quem pagará por quem não pagou, não serão os governantes corruptos, mas sim a sociedade.
Para Marton (2015), “as razões para a ocorrência da sonegação tributária seriam:
a) Desonestidade pessoal;
b) Discordância com o valor da dívida que lhe é imputada;
c) A injustiça da lei;
d) Discordância com os critérios de repartição das despesas públicas. e) Ausência de comutatividade da obrigação tributária.
f) Má aplicação dos dinheiros públicos;
g) A falta de transparência na aplicação dos recursos públicos;
h) Dificuldade de competição com os sonegadores;
i) Alegação da impossibilidade de pagamento, em razão dos resultados empresariais;
j) Dificuldade de interpretação da legislação tributária;
k) Excesso de obrigações tributárias acessórias;
l) Esperando a remissão e a anistia;
a) A extinção da responsabilidade penal pelo pagamento do tributo sonegado.”
Entretanto, muitas dessas razões se veem mascaradas, como é o caso da desonestidade pessoal, que sempre sustenta-se no discurso de que “se me roubaram, vou rouba-los também”, e assim uma grande massa é manipulada a acreditar que sonegar é a atitude mais racional, enquanto, na verdade, quem é roubado dos dois lados é a população mais pobre do país.
O caráter regressivo do sistema tributário brasileiro já pune severamente os mais pobres, quando tributa-se mais o consumo do que a renda e o patrimônio, não bastasse isso, os privilegiados ainda fizeram da sonegação um novo esporte predileto, as custas dos desfavorecidos.
A classe dirigente, em princípio, atira o sacrifício às classes subjugadas e
procura obter o máximo de satisfação de suas conveniências com o produto
das receitas. Em um país governado por uma elite de fazendeiros, por
exemplo, é pouco provável que o imposto de renda sobre proventos rurais
seja aplicado com o rigor com que atinge os demais rendimentos e bens. Foi
o que fizeram a nobreza e o clero por toda a parte. Mais tarde, quando as
despojou do poder político, a burguesia preferiu sistemas tributários que
distribuíssem a carga fiscal predominantemente sobre o proletariado. É a fase
do apogeu dos impostos reais, como o de consumo. (MACHADO, 2018, p.
28-29 apud BALEEIRO, 2010, p. 231-232).
Além disso, há de ser ressaltado que, de modo geral todos serão afetados pela lacuna financeira deixada nos cofres públicos, visto que o governo irá suprir a falta através do aumento de tributos, que irá desencadear um aumento também dos produtos e serviços, podendo afetar inclusive o negócio de que sonegou, retornando a ele o efeito de seu próprio ato.
Segundo estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), “com produtos e serviços mais caros, o dinheiro acaba tendo menos valor e isso impacta tanto no consumidor final quanto nos fornecedores e tem resquícios também em outros segmentos que, por exemplo, utilizam da mesma matéria prima para produzir.”
Contudo, os grandes sonegadores, aqueles aparentemente intocáveis, estarão felizes, porque de fato neles esses efeitos pouco irão respingar, enquanto os medianos serão levados a falência com as sanções previstas, ao tempo em que toda a sociedade paga pelo rombo de bilhões.
De acordo com matéria divulgada na revista Carta Capital, “a sonegação acontece em mais de 90% por aqueles que estão entre os 10% mais ricos do País, sobretudo pelo 1%. Bem mais da metade da população é de crianças, adolescentes e outros sem renda, juntamente com os beneficiados pelo Bolsa Família e recebedores do salário mínimo.”
O gigantesco desfalque contribui para o aumento das desigualdades sociais, aumento da carga tributária, aumento da violência, da precariedade dos serviços públicos, da instabilidade política, dos conflitos, dentre outros.
Assim, constata-se que a cultura da sonegação fiscal no Brasil precisa ser amplamente remediada.
4. Hermenêutica extraída da resposta “Daí a César o que é de César”
A passagem bíblica em que Jesus foi questionado pelos fariseus acerca do pagamento de tributos, referindo-se ao imperador romano César, marcou uma separação definitiva entre Céu e terra. Em poucas palavras Jesus ilustrou que diferente do mundo celestial, onde há ordem e justiça, o mundo terreno, eivado de caos e injustiças, está submetido as regras determinadas.
A citada passagem é encontrada tanto em Lucas 20:25, como em Mateus 22:15-22, dos textos bíblicos, qual seja: “E enviaram-lhe os seus discípulos, com os herodianos, dizendo: Mestre, bem sabemos que és verdadeiro, e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e de ninguém se te dá, porque não olhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro. E ele lhes disse: De quem é esta efígie e esta inscrição? Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram”. (Mateus 22:16-22)
A pergunta: “É certo pagar tributo a César, ou não?” fora feita maliciosamente a Jesus acreditando-se que Ele seria contra o pagamento, visto toda a injustiça que envolvia a cobrança na época. Segundo Marton, “a um povo submetido ao domínio estrangeiro é humilhante esse pagamento, sendo explicável a rejeição ao tributo. A resposta do Mestre, contornando a provocação política, é até hoje alvo de profundas reflexões dos teólogos, que a apontam como marco da separação entre o Reino dos Céus e o reino terrestre”.
Mesmo sabendo dos abusos envolvendo a cobrança dos tributos, Jesus conseguiu ser pontual, sobrepondo o Reino dos Céus, a medida em que, mesmo tendo poder em sua resposta para induzir uma revolta política, manteve a questão dos impostos inalterada, também porque conhecia a alma pecaminosa e corrupta dos homens de modo geral, e não apenas do imperador.
Jesus sabia que o sistema político corrompido não teria como algoz apenas um indivíduo, mas sim grande parte da sociedade que se iguala a este, em moral, princípios e valores.
Para o Pr. Hércules, “o tempo passa e parece que as coisas não mudam. Os homens têm as mesmas malícias, defendem os seus interesses, enganam e mentem. Mas tudo isto é assim porque vivemos no mundo de Césares ou não conhecemos ou não sabemos da realidade do reino de Deus.”
Jesus foi criterioso ao perceber os motivos por trás da indagação, pois queriam pegá-lo pela apologia à sonegação, mas o mestre não apenas se desvencilhou das más intenções, como evitou os malefícios de influenciar o povo a sonegar. Seu poder de saber que futuro gerará a partir de uma mínima palavra, o fez perceber que sendo contra o pagamento, Ele iria desencadear uma série de tormentos para os que o obedecem, e ainda iria estimular a sonegação perpetuamente, apontando as reais injustiças regendo a arrecadação, que produziria um verdadeiro desestímulo a existência do Estado social, pois este só existe porque é financiado.
Ademais, o sistema humano de recolhimento de tributos é regido por injustiças, tanto naquela época, quanto agora, nunca existindo um governo que de fato merecesse contribuintes virtuosos, mas merecer não deve ser uma questão, pois o
Estado só existe por conta da solidariedade que envolve o recolhimento tributário, assim, a arrecadação é imprescindível para fazer a roda do mundo girar, sempre existindo os que sabem da importância de colaborar visando o bem de todos, assim como sempre vai existir os individualistas, desonestos e imorais que só pensam em si próprios e em levar vantagem apoiados na bondade do próximo.
A resposta demonstrou claramente que o Reino do Céu não se mistura com o reino da terra, o que arruinou completamente possíveis argumentos dos opositores maliciosos. Isso porque quando disse:
Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus; ao mesmo tempo em que não incitava a sonegação tributária, também não deixava de manifestar a soberana glória devida a Deus.
Atualmente temos no Brasil um sistema repleto de problemas e injustiças, a corrupção tomou altas proporções, o sistema tributário é complexo, a carga é demasiadamente alta, e o retorno para a população é muito baixo, contudo, a sonegação, além de ter parte nisso, mantem-se como um agravante para essa situação, por isso é necessário “dar ao Estado brasileiro, o que é do Estado brasileiro”.
O panorama da resposta baseia-se em uma sutil armadilha aprontada, onde o dilema de Cristo baseou-se entre responder que sim, é lícito pagar tributos a César, e assim o povo indignado ficaria contra Ele, ou dizer que não, e ficar contra a maior autoridade daquele lugar, que o levaria ao julgamento e punição. Assim, percebendo a artimanha, se desvencilhou perguntando: De quem é esta efígie e esta inscrição? Dizem-lhe eles: De César. Então Ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Desse modo, Jesus não compactuou com injustiças, nem foi acusado de cometer traição contra o Império.
A trajetória de Jesus foi de ensinamentos, mudança de mentalidade do povo, conscientização, amor ao próximo e sacrifício, tocando as pessoas e estabelecendo padrões de conduta que levam a harmonia e salvação. Há de se ressaltar a tomada de consciência e mudança de mentalidade como precursoras da real evolução de um povo, desse modo, sendo essencial essa consciência para alterar a cultura da sonegação fiscal, que junto com a corrupção, decreta muitas mazelas presente na realidade do Brasil.
5. Conclusão
São muitas as justificativas apontadas pelos sonegadores para o cometimento do crime de sonegação fiscal, contudo, dentre todas as possíveis causas para sonegarem tanto no Brasil, destaca-se como comum a todos os sonegadores, a deficiência legislativa, que atribui pena confortável, se, e quando aplicada.
Pena é a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade é a repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinquente,
retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar os valores protegidos pelo direito penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado. (NUCCI, 2011, p. 401)
É fato que o sistema tributário brasileiro é complexo, dificultando a arrecadação. Sendo esse ponto pauta de diversas propostas de reforma tributária, que precisa ser amplamente acolhido, simplificando e melhorando a vida do contribuinte, contudo, a cultura da sonegação não será alterada a partir dessa simplificação, visto que os maiores sonegadores não sonegam por causa da complexidade, mas sim para manter seus privilégios, levando vantagem ilícita.
A desonestidade reina no foco da sonegação, mantendo a cultura de exploração dos mais vulneráveis desde a época colonial, temos as penas previstas para o crime, mas quando se trata da elite estruturada que sonega milhões, saem ilesos, ou com consequências mínimas que não fazem nem cosquinha, muito menos cumpre com a função de inibir novas práticas delituosas.
De acordo com matéria publicada na revista Carta Capital “O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), alvo da Operação Zelotes da Polícia Federal, que teve mais um conselheiro preso alguns meses atrás e cuja Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi encerrada sem qualquer consequência por pressão de grandes empresários, é o exemplo mais evidente de ineficiência, parcialidade e corrupção. Precisa de intervenção urgente.”
A impunidade latente contamina inclusive os bons pagadores, é triste para a sociedade ler notícias como essas, que mensagem que isso passa? A de que o crime
compensa, que é cada um por si, que quem tem muito dinheiro consegue tudo o que quer, inclusive mais dinheiro, e sair ileso dos crimes cometidos.
Ainda segundo a mesma matéria, “tão ou mais grave, no entanto, é o tratamento que se dá aos sonegadores no Brasil, que não correm o risco de serem presos, pois basta pagarem os valores sonegados após o crime ser descoberto. É como se um ladrão de banco, após ser pego, ficasse livre por devolver o dinheiro. É inexplicável.”
Em síntese, o crime de sonegação fiscal tem a pena de detenção de 6 meses a 2 anos de prisão, dificilmente aplicada, que ainda prevê em seu § 1º que “quando se tratar de criminoso primário, a pena será reduzida à multa de 10 (dez) vezes o valor do tributo”. Enquanto isso, alguém que derruba uma cerca e furtar bicicleta de 300 reais está sujeito a uma pena de 4 a 10 anos de reclusão, mas o sonegador de milhões tem contra ele uma pena bem menor, e ainda pode recorrer da fiança, pagando um valor e ficando livre facilmente.
Desse modo, a dura punição da sonegação fiscal é essencial para reduzir a prática do ilícito. Quando a punição não ocorre, ou é muito branda, a sociedade começa a desvincular a ideia de crime, passando este a ser moralmente aceitável, e a grande questão passa a ser avaliado pelos riscos que são apresentados, como se sonegar passasse a ser uma estratégia empresarial dos espertos, e não mais um crime.
Se o risco de sonegar tributos, ficando com muito mais dinheiro, é apenas financeiro e há chance de o fisco sequer perceber isso dentro do prazo de cinco anos, os incentivos para que se sonegue são muito maiores. Após os cinco anos, passada a exigibilidade do tributo, também não há punibilidade do crime. (VILLAS-BÔAS, 2016)
Sem punição devida, e com um antro de decisões parciais, que favorecem os criminosos, a sociedade deixa de ver o ato como repudiável. Portanto, investigar e combater as ilegalidade no administrativo e judiciário é essencial, bem como, elevar a pena para pelo menos 8 anos, permitindo que a prisão se iniciasse em regime fechado. Assim, a população poderia sentir e repensar o ato antes de cometê-lo, coagindo os possíveis sonegadores, e reduzindo significativamente o cometimento do crime.
Ainda que existam muitos fatores a serem corrigidos no quadro do sistema tributário brasileiro, um aumento de pena encontra-se como fator primordial e certeiro para reestabelecer a adequação social, cumprimento e ordem jurídica. Sendo inerente ao Estado o poder para repelir as recorrentes práticas ilegais, através do jus puniendi.
SOBRE A AUTORA:
Mariana Leal Teixeira, é Advogada OAB/BA nº 69951, formada com bolsa integral pelo Centro Universitário Ruy Barbosa, tributarista de inteligência de Negócios pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT, com forte atuação no ramo do Direito Tributário, e nutrida de vasta experiência no âmbito cível, especialmente com o sistema PROJUDI. Mais de 3 anos de atuação em alguns escritórios de advocacia e também no Tribunal de Justiça da Bahia por um ano e meio, como estagiária em Salvador. Auxiliar jurídica pelo período de um ano e meio na área cível. Experiência e domínio com Defesas em Execução Fiscal. Exercício profissional autônomo nas áreas do Direito Tributário, Imobiliário e Contratual, respaldados de expertise e cursos complementares. Aptidão com planilha Excel e revisão fiscal.
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REFERÊNCIAS:
MACHADO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 10ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 7. Ed., rev., atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. ISBN 978-85-203-3876-6.
Sinprofaz. SONEGÔMETRO FECHA ANO COM VALOR SUPERIOR A R$ 626 BILHÕES, 27 de dezembro de 2022. Disponível em:
https://www.sinprofaz.org.br/noticias/sonegometro-fecha-ano-com-valor superior-a-r-626-bilhoes/
VIOL, Andréa Lemgruber. A Finalidade da Tributação e sua Difusão na Sociedade. Disponível. Brasil: Secretaria da Receita da Federal do Brasil, 2008. 22 p. Acesso em:
http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/eventos/seminarioii/t exto02afinalidadedatributacao.pdf. Acesso em: 28 nov. 2020.
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