Resumo: Este trabalho visa à análise do julgamento do RE 1.199.021 (Tema 1050) julgado pelo STF no dia 04/09/2020, expondo qual o reflexo dessa decisão para as empresas que estão no regime de tributação do Simples Nacional.
Palavras-chaves: Constitucionalidade; Simples Nacional, STF, Tributação Monofásica
Introdução
Este artigo foi realizado haja vista o julgamento RE 1.199.021 (tema 1050) pelo qual o STF negou provimento ao referido RE decidindo pela constitucionalidade do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.147/2000 que trata sobre a não extensão às empresas optantes do Simples Nacional do benefício de alíquota zero incidente sobre o Pis e Cofins, decorrente da venda dos produtos farmacêuticos e de perfumaria, dentre outros conforme ocorre no regime de tributação monofásica.
Busca-se através desse artigo analisar os reflexos dessa decisão à empresas que estão no regime de tributação do Simples Nacional.
1. Regime de Tributação do Simples Nacional
O Simples Nacional é um regime de tributação mais simplificado criado para empresas de Pequeno Porte e Micro Empresas, através da Lei Complementar 123/2006.
Conforme o art. 1º da referida lei, inclui todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), além da simplificação da apuração, arrecadação e fiscalização, vejamos:
“Art. 1º “Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive acessórias;
II – ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;
III – ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.
IV – ao cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)”
2. Breve síntese do RE 1.199.021
No RE1.199.021 uma empresa de Perfumes e Cosméticos recorreu do acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que julgou constitucional a não extensão às empresas optantes do Simples Nacional do benefício de alíquota zero incidente sobre o Pis e Cofins, conforme ocorre no regime de tributação monofásica.
No regime de tributação monofásica, se reduz a zero (desde que não seja industrial ou importador) a alíquota desses tributos sobre a receita da venda de determinados produtos.
Segundo a empresa, a vedação conforme art. 2º da Lei nº 10.147/00 é inconstitucional pois ofende os artigos 146, inciso III, alínea “d”, e 179 da Constituição Federal (CF), segundo os quais cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária sobre a definição de tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte, assim como os princípios constitucionais da igualdade ou isonomia, da proporcionalidade, da razoabilidade, da capacidade contributiva, da vedação ao confisco, do enriquecimento sem causa e da moralidade dos atos da administração pública.
Além disso, aduz que referido dispositivo foi revogado tacitamente pelo inciso I do §4º-A da Lei Complementar nº 123/06.
A empresa alega, ainda, que a vedação imposta às empresas optantes do Simples Nacional viola o princípio constitucional da isonomia:
“A lei aplica tratamentos distintos para contribuintes que se encontram na mesma etapa da cadeia de circulação de produtos. Desfavorece as empresas de pequeno porte, enquanto grandes atacadistas e varejistas podem vender os mesmos produtos com alíquota reduzida.”
3. Parecer da PGR
O Procurador Geral da Fazenda Nacional se manifestou aduzindo o que segue:
“A Lei Complementar nº 123/06, posterior à Lei nº 10.147/2000, já estabeleceu um regime tributário simplificado e facultativo às microempresas e empresas de pequeno porte, o Simples Nacional.
Ao estabelecê-lo, o legislador infraconstitucional definiu o universo de empresas que poderiam ser contempladas e estipulou benefícios, requisitos e hipóteses de vedações com base nas disposições constitucionais e também nas disposições infraconstitucionais preexistentes.
Dentre os benefícios concedidos pela Lei Complementar, inexiste menção ou superação do disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.147/2000, que veda a redução a zero das alíquotas do PIS e da COFINS para as empresas optantes pelo Simples Nacional.
Trata-se de uma opção legislativa, de política fiscal, calcada no equilíbrio econômico dos benefícios concedidos, de modo que a pessoa jurídica que se encaixa nos requisitos legais da Lei Complementar nº 123/06 possui a faculdade de optar pelo sistema tributário que lhe seja mais vantajoso.
…o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ressaltou que a pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional já desfrutava de regime tributário benéfico.
Portanto, conclui-se pela constitucionalidade da vedação constante no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.147/2000.”
4. Votação dos Ministros do STF
O julgamento do RE 1199021 foi realizado do dia 04 de setembro de 2020, decidindo se a vedação imposta às pessoas jurídicas optantes do Simples Nacional, prevista no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.147/2000 é constitucional ou não.
A maioria dos Ministros entenderam ser constitucional a vedação imposta no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.147/2000 acompanhando o voto do Ministro Relator Marco Aurélio, fixando a seguinte tese:
“É constitucional a restrição, imposta a empresa optante pelo Simples Nacional, ao benefício fiscal de alíquota zero previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.147/2000, tendo em conta o regime próprio ao qual submetida”.
O ministro Marco Aurélio, arguiu em seu voto, que a Lei 10.147, ao instituir o regime monofásico, aumentou a carga tributária dos industriais e importadores, desonerando varejistas e atacadistas, e que isso se fez considerando o recolhimento em separado das contribuições. Por isso, não afeta as empresas do Simples.
Conforme o voto do Ministro Marco Aurélio:
“O dispêndio (para as optantes do Simples Nacional” permanece o mesmo, ante previsão de pagamento unificado na forma da legislação.
… o princípio da isonomia não deve servir de alavanca para a criação de regimes híbridos, colhendo o que há de melhor em cada sistema”.
Considerou como imprópria a cumulação do Simples com o decorrente da tributação em separado, concluindo não existir base legal para que isso ocorra.
5. Análise do julgamento do RE 1.199.021 (Tema 1050)
O Simples Nacional foi criado pela Lei nº 9.317/1996 posteriormente revogada pela Lei Complementar 123/06, passando esta a regular o Simples, sendo um regime de tributação simplificado de apuração, arrecadação e fiscalização de empresas de Pequeno Porte e Micro Empresas.
A lei 123/2006 criou a possibilidade através do artigo 18 de alguns setores excluírem de suas bases de cálculo os Tributos que já haviam sido recolhidos em cadeias anteriores, como o ICMS-ST e o Pis e Cofins Monofásicos, vejamos:
“Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3o.(Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)
§ 4o-A. O contribuinte deverá segregar, também, as receitas: (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
I – decorrentes de operações ou prestações sujeitas à tributação concentrada em uma única etapa (monofásica), bem como, em relação ao ICMS, que o imposto já tenha sido recolhido por substituto tributário ou por antecipação tributária com encerramento de tributação; (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, para o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos I a III e V do § 4o-A deste artigo, serão consideradas as reduções relativas aos tributos já recolhidos, ou sobre os quais tenha havido tributação monofásica, isenção, redução ou, no caso do ISS, que o valor tenha sido objeto de retenção ou seja devido diretamente ao Município. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)”.
Conforme o art. 2º § ÚN da Lei 10.147/00 (STF julgou constitucional no RE 1.199.021) estabeleceu a redução a zero das alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda dos produtos farmacêuticos e de perfumaria, dentre outros, porém vedou essa aplicação à empresas do Simples, vejamos:
“Art. 2o São reduzidas a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda dos produtos tributados na forma do inciso I do art. 1o, pelas pessoas jurídicas não enquadradas na condição de industrial ou de importador.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às pessoas jurídicas optantes pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples.”
Ocorre que mesmo existindo essa vedação e o julgamento pela constitucionalidade desta, o inciso I do §4º-A da Lei Complementar nº 123/06 (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014) dispõe claramente que o contribuinte deverá segregar, também, as receitas decorrentes de operações ou prestações sujeitas à tributação concentrada em uma única etapa (monofásica).
Ou seja, o inciso I do §4º-A da Lei Complementar nº 123/06 incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014 é posterior a vedação do artigo 2º da Lei nº 10.147/00 ocorrendo assim revogação tácita.
De acordo com LINDB (Leis de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957).”
Ainda, o Processo nº 0001184-83.2008.4.04.7203 da empresa de Perfumes e Cosméticos que deu início ao RE 1199021 julgado pelo STF, iniciou em 2008, ou seja, antes da alteração da Lei Complementar 123/2006 pelo qual inseriu a possibilidade de segregação através da Lei Complementar nº 147, de 2014.
Outrossim, conforme o §6º do artigo 25 da Resolução do Comitê
Gestor do Simples Nacional (CGSN) nº 140/2018 estabelece o seguinte:
“Art. 25. O valor devido mensalmente pela ME ou EPP optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas calculadas na forma prevista nos arts. 21, 22 e 24 sobre a base de cálculo de que tratam os arts. 16 a 19. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 3º, § 15, art. 18)
§6º A ME ou EPP que proceda à importação, à industrialização ou à comercialização de produto sujeito à tributação concentrada ou à substituição tributária para efeitos de incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins deve segregar a receita decorrente de sua venda e indicar a existência de tributação concentrada ou substituição tributária para as referidas contribuições, de forma que serão desconsiderados, no cálculo do valor devido no âmbito do Simples Nacional, os percentuais a elas correspondentes. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; art. 18, § 4º-A, inciso I, § 12).”
Ademais, há a Solução de Consulta COSIT nºº 225/2017 da Receita Federal, vejamos:
“ASSUNTO: SIMPLES NACIONAL EMENTA: REVENDA DE MERCADORIA SUJEITA À TRIBUTAÇÃO CONCENTRADA (MONOFÁSICA). REDUÇÃO DA ALÍQUOTA NO SIMPLES NACIONAL.
A empresa inscrita no Simples Nacional que proceda à comercialização de produto sujeito à tributação concentrada, para efeitos de incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins deve segregar a receita decorrente da venda desse produto indicando a existência de tributação concentrada para as referidas contribuições, de forma que serão desconsiderados, no cálculo do Simples Nacional, os percentuais a elas correspondentes. Os valores relativos aos demais tributos abrangidos pelo Simples Nacional serão calculados tendo como base de cálculo a receita total decorrente da venda dos referidos produtos sujeitos à tributação concentrada. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18, § 4º-A, inciso I; Lei nº10.147, de 2000, arts. 1º, inciso I, e 2º; Lei nº 10.833, de 2003, arts. 58-A, 58-B; 58-I e 58-M; Resolução CGSN nº 94, de 2011, art. 25-A, §§ 6º e 7º.”
Desse modo, o que foi julgado pelo STF (tema 1050) foi a constitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.147/2000, porém após essa lei, foi revogada lei anterior do Simples de 1996 e publicada nova Lei 123/2006 que dentre suas mudanças trouxe a hipótese (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014) dos contribuintes segregar as receitas com revendas dos produtos sujeitos à tributação concentrada(monofásica), sendo que esta lei atual do Simples Nacional não se está discutindo sua constitucionalidade, sendo portanto válida.
Conclusão
Destarte, o julgamento do tema 1050 reconhecendo a constitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.147/2000 não poderá proibir os contribuintes do regime do Simples Nacional de segregar as receitas com revendas dos produtos sujeitos à tributação concentrada(monofásica), pois além de todo o embasamento constante neste artigo, com a respectiva legislação e posicionamento dos órgãos reguladores, a inclusão do inciso I do §4º -A da Lei Complementar nº 123/06 (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014) não foi declarada inconstitucional, sendo válida para todos os seus efeitos.
Assim, aqueles contribuintes que estão no Simples Nacional e estão no regime de monofasia do Pis e Cofins por venderem determinados produtos poderão continuar segregando seus produtos com código(NCM) de forma correta e caso não tenham realizado essa segregação, poderão realizar a partir de quando tomaram conhecimento e ainda fazer o pedido de restituição de Pis e Cofins dos últimos 5 (cinco)anos que pagaram de forma indevida.
Sobre a autora
Fernanda Albuquerque
Advogada, formada pela Universidade de Ribeirão Preto, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Damásio de Direito, com extensão em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) e atualmente cursa o MBA em Gestão Tributária na USP/Esalq. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação Brasileira dos Contribuintes (ABCONT).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Congresso Nacional. Lei Complementar 123/2006. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm>. Acesso em: 20/09/2020.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei 10.147/2000. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10147.htm>. Acesso em: 20/09/2020.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9317.htm >. Acesso em: 20/09/2020.
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