As mudanças jurisprudenciais hodiernas no âmbito do direito tributário: uma análise acerca da ofensa à coisa julgada e à segurança jurídica do contribuinte no julgamento do recurso extraordinário n.º 955227 (tema 885) pelo Supremo Tribunal Federal – Sofia Martins

Resumo: O presente estudo tem por escopo analisar o evento da mudança de  jurisprudência e seus efeitos sobre a segurança jurídica, focando,  especificamente, no caso do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre  a chamada “coisa julgada”, em relação aos tributos recolhidos de forma  continuada. Inicialmente, apresenta-se a definição de coisa julgada e o  conteúdo normativo da segurança jurídica como princípio maior, responsável  por salvaguardar a estabilidade normativa e a confiança na manutenção dos  posicionamentos dos tribunais, o que se faz por meio da consolidação e  observação das orientações jurisprudenciais. Na sequência, analisa-se a  mudança de jurisprudência, a qual necessita de justificativa e fundamentação  para sua implementação, devendo serem tomadas medidas que atenuem seus  efeitos. Ao final, é feita uma análise do julgamento do Recurso Extraordinário  nº 955227 (Tema 885), cuja conclusão obtida é de que a Corte efetivamente  realizou uma mudança de jurisprudência, sem que tenham sido observados os  requisitos de justificação para a mudança de entendimento. Percebeu-se que a  decisão pode gerar consequências gravosas, com prejuízo à estabilidade e a  confiança, inerentes à segurança jurídica e ao desenvolvimento econômico financeiro do país. O desenvolvimento deste artigo tem como subsídio revisões  bibliográficas em livros, artigos científicos, além de análise jurisprudencial. 

Palavras-chave: Coisa Julgada. Segurança jurídica. Mudança jurisprudencial.  Tributos continuados. 

Abstract: The scope of this study is to analyze the change jurisprudence event  and your effects on legal certainty, focusing, specifically, on the case of the  Federal Supreme Court’s understanding of the so-called “res judicata” in  relation to taxes collected in a continued. Initially, the definition of res judicata 

and the normative content so legal certainty are presented as a major principle,  responsible for safeguarding normative stability and confidence in maintaining  the courts positions, which is done through the consolidations and observations  of jurisprudential guidelines. Next, the change in jurisprudence is analyzed,  which requires justification and grounding for this implementation, and  measures to mitigate its effects must be taken. At the end, as analysis of the  judgment of Extraordinary Appeal nº 955227 (Theme 885) is made, whose  conclusion is that the Court effectively carried out a change of jurisprudence,  without observing the justification requirements for the change of  understanding. It was noticed that the decision could have serious  consequences, with damage to the stability and trust inherent to legal security  and the economic and financial development of the country.The development of  this article is supported by bibliography reviews in books, scientific articles, in  addition to jurisprudential analysis. 

Keywords: Res judicata. Legal security. Jurisprudential change. Continued  tributes.

1 – INTRODUÇÃO 

A estabilidade e equilíbrio das relações jurídicas dependem da  observância de um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico  pátrio – segurança jurídica. Atrelado a ela está o respeito ao instituto da coisa  julgada, previsto no art. 502 do Código de Processo Civil1 e no artigo 5º, inciso  XXXVI, da Constituição Federal2

A coisa julgada proporciona certeza nas relações jurídicas, o que vem a  ser garantido pelo princípio da segurança jurídica. Por sua vez, a jurisprudência  representa a segurança jurídica às relações interpessoais e orienta a  sociedade, apontando as condutas que estão de acordo com o ordenamento e  como devem ser interpretados os dispositivos constantes na legislação. 

Nesse ínterim, surge o evento da mudança de jurisprudência, que ocorre  quando o mesmo tribunal adota decisões diferentes no tempo, já tendo a  decisão modificada produzido efeitos estabilizadores. Ocorre que, para que a  mudança de jurisprudência seja legal e constitucional, ela deve respeitar tanto  os princípios constitucionais quanto os demais dispositivos constantes no  ordenamento jurídico. 

É nesse contexto, que surge a importância do desenvolvimento deste  trabalho, o qual tem por objetivo analisar as mudanças jurisprudenciais  hodiernas no âmbito do direito tributário, de modo a realizar uma análise crítica  ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 955.227 pelo Supremo Tribunal  Federal3, que representa uma clara ofensa à coisa julgada e à segurança do  contribuinte. 

1 Art. 502, Código de Processo Civil: 

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a  decisão de mérito não mais sujeita a recurso.  

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 abr.  2023. 

2 Art. 5º, inciso XXXVI, Constituição Federal: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos  brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,  à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] 

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; […]  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023. 3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 955.227 RG/BA. Relator  Ministro Roberto Barroso. Brasília/DF. Disponível em:  <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/repercussao-geral8262/false>. Acesso em: 30  abr. 2023.

Além disso, demonstrar-se-á as consequências gravosas da mudança  de entendimento da Suprema Corte referente aos tributos recolhidos de forma  continuada, no bojo do Recurso Extraordinário citado, quais sejam, prejuízo à  estabilidade e à confiança, inerentes à segurança jurídica e ao  desenvolvimento econômico-financeiro do país. Ao final, são propostas  medidas para que tais consequências sejam evitadas. 

2 – COISA JULGADA E SEGURANÇA JURÍDICA: CONCEITOS E BREVES  REFLEXÕES 

Nesse capítulo será abordada a definição de coisa julgada e o  conteúdo normativo da segurança jurídica como princípio garantidor da  estabilidade normativa e da confiança na manutenção dos posicionamentos  dos tribunais, o que se faz por meio da consolidação e observação das  orientações jurisprudenciais. 

Após, será explanado sobre o evento da mudança de jurisprudência,  com o seu conceito, bem como os requisitos para que ocorra. Deveras, a  implementação da alteração jurisprudencial necessita de justificativa e  fundamentação, devendo serem tomadas medidas que atenuem seus efeitos. 

2.1 Definição de coisa julgada 

A definição de coisa julgada, como já fora sinalizado na introdução do  presente artigo, está prevista no artigo 502 do Código de Processo Civil4.  Ademais, na Constituição Federal de 1988, o termo “coisa julgada” encontra-se  previsto no inciso XXXVI do artigo 5º5, e pela sua posição topográfica, por se  

4 Art. 502, Código de Processo Civil: 

Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a  decisão de mérito não mais sujeita a recurso.  

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 abr.  2023. 

5 Art. 5º, inciso XXXVI, Constituição Federal: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos  brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,  à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] 

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; […] 

tratar de direito fundamental explícito, deve ser aplicado e garantido em todos  os ramos do direito, inclusive no Direito Tributário. 

Com efeito, a coisa julgada decorre da utilização de todos os recursos  cabíveis até o seu último grau. Em outros termos, inexistente outra via recursal,  a decisão que delibera sobre o objeto principal de um processo torna-se  inalterável, salvo na hipótese de ação rescisória. 

Neste sentido, o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, citando  Arturo Rocco, assim descreve em sua obra: “a coisa julgada não é mais do que  a consequência da necessidade de certeza nas relações jurídicas”6

Atrelada à coisa julgada, encontra-se o princípio da segurança jurídica,  que será tratado no tópico seguinte. 

2.2 O princípio da segurança jurídica 

O princípio da segurança jurídica é elementar para garantia e  manutenção da democracia, classificando-o como componente de construção  da justiça, da manutenção e da estabilidade das relações jurídicas, além de ser  objeto essencial para a proteção à confiança, pilares de um estado de direito  legítimo. 

Os valores atrelados ao princípio da segurança jurídica foram  manifestados inicialmente no âmbito privado, podendo ser observado desde o  Estado Absolutista, até os tempos modernos. Nessa esteira de pensamento,  Paulo Caliendo7 assim discorre: 

O princípio da segurança jurídica possui essencialmente a eficácia  negativa, impedindo a ação do Estado em determinados casos,  obstando a surpresa, a falta de clareza e a supressão de situações  jurídicas estabelecidas. (CALIENDO, 2019, p. 252) 

Leciona, ainda, Paulo Caliendo8O princípio da segurança jurídica somente adquire sua plenitude sob  o regime do Estado de Direito. Este pressupõe: i) proteção dos  

direitos e garantias individuais; ii) presença de instituições  democráticas; iii) supremacia da Constituição e da lei; iv)  estabilidade das relações jurídicas, por meio da proteção da  

coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido; e v)do controle dos atos legislativos e administrativos por parte do Poder Judiciário independente. (grifo nosso) (CALIENDO, 2019, p.  

241-242) 

Deveras, a consolidação da jurisprudência é fator de estabilidade  jurídica, intimamente ligada à segurança jurídica, sobretudo, porque a  afirmação de um precedente jurisprudencial enseja normas de conduta para  orientação da sociedade, em especial da administração, que se rege pela boa 

fé objetiva. Se a jurisprudência é respeitada, é claro o caminho a ser seguido9. Nessa linha, torna-se ineficaz a existência de um ordenamento jurídico  com ampla legislação, se o Poder Judiciário adota posicionamento “ao bel  prazer” do julgador. Vislumbra-se, pois, que a segurança jurídica é um direito  fundamental, sobretudo em razão de sua positivação no supracitado inciso  XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal de 198810

Estabelecida no cenário do princípio da segurança jurídica, a  jurisprudência exerce função significativa na estabilização e orientação do  conteúdo das normas e do ordenamento jurídico. Neste sentido, o Código de  Processo Civil de 2015, em seu artigo 92611, prevê o dever dos tribunais de  uniformização, estabilização, coerência e integridade da sua jurisprudência. De  igual modo, considera-se carente de fundamentação a decisão que deixar de  

10 Art. 5º, inciso XXXVI, Constituição Federal: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos  brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,  à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] 

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; […]  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023. 11 Art. 926, Código de Processo Civil: 

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e  coerente.  

  • 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os  tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.  § 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos  precedentes que motivaram sua criação.  

observar a jurisprudência invocada pela parte, caso não se demonstre sua  distinção com o caso concreto, conforme preceitua o artigo 489, § 1º, inciso VI,  do mesmo diploma legal12

À vista disso, é que se faz relevante entender o evento da mudança de  jurisprudência. 

2.3 Mudança de jurisprudência 

O vocábulo “jurisprudência” segundo Roberto Caparroz13, pode ser  entendido da seguinte forma: 

“(…) conjunto de decisões uniformes dos tribunais (judiciais ou  administrativos) em relação a determinada matéria. Seus principais  objetivos são o de conferir segurança jurídica às relações  interpessoais e também o de orientar a sociedade, indicando as  condutas que estão de acordo com o ordenamento e de que forma  devem ser interpretados os comandos legais” (CAPARROZ, 2019, p. 

Por mudança jurisprudencial, entende-se, por outro lado, nas palavras  de Ibidem, reproduzida por Gomes, em seu artigo publicado na Revista Direito  Tributário Atual, “quando o mesmo tribunal adota decisões diferentes no tempo,  já tendo a decisão modificada produzido efeitos estabilizadores.”14 

O fato é que, embora o Poder Judiciário seja livre e independente na sua  atividade de interpretação e aplicação das normas, sendo possível a mudança de  entendimento e orientação, é imprescindível o bom-senso na adoção de novas  decisões, com coerência lógica e conexão com os entendimentos anteriormente  adotados. 

12 Art. 489, Código de Processo Civil: 

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: […] 

  • 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença  ou acórdão, que: […] 

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,  sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do  entendimento.  

Assim, para que ocorra a mudança de jurisprudência, nas palavras de  Gomes: “(…) é necessário que haja duas decisões eficazes e transitadas em  julgado em momentos diversos no tempo, versando sobre o mesmo  objeto e proferidas pela mesma corte julgadora, com a decisão  posterior – ou modificadora – assumindo posicionamento diverso da decisão anterior – ou modificada –, sem que tenha havido nova circunstância  fática ou normativa acerca da matéria discutida. E, uma vez  ocorrendo esse fenômeno, é imprescindível que seja feita a devida  fundamentação para sua realização, expondo as razões de adoção  do novo entendimento em detrimento do anterior, fazendo-se necessária,  ainda, a adoção de medidas de transição a fim de evitar que a  mudança se opere em prejuízo daqueles que se pautavam pelo  entendimento superado.” (GOMES, 2020, pp. 10-11) 

Dito isto, no capítulo subsequente será analisada a mudança de  jurisprudência no bojo do julgamento do Recurso Extraordinário nº 955227  (Tema 885) pelo Supremo Tribunal Federal15, sob a ótica da coisa julgada e da  segurança jurídica nas relações jurídico-tributárias, bem como rebatidos os  argumentos da Suprema Corte que embasaram o posicionamento adotado no  aludido julgamento. 

3 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 955227 (TEMAA 885) – A MUDANÇA  DE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DA  COISA JULGADA EM RELAÇÃO AOS TRIBUTOS RECOLHIDOS DE  FORMA CONTINUADA E O INÍCIO DA DESESTABILIZAÇÃO E  DESEQUILÍBRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS  

O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento recente, entendeu  que a coisa julgada, relativa aos tributos recolhidos de forma continuada, perde  seus efeitos quando o aludido tribunal superior pronunciar-se em sentido  diverso. A Suprema Corte considerou, que, mesmo uma decisão com trânsito  em julgado, produz efeito enquanto não houver mudança de fato ou de direito,  de modo que sobrevindo qualquer alteração neste sentido, os seus efeitos  serão cessados.

O ministro Luís Roberto Barroso fundamentou que não existe prejuízo às  empresas, tampouco, ofensa à segurança jurídica, haja vista que os  contribuintes tinham a obrigação de recolher o tributo após a validação pelo  Supremo Tribunal Federal em 2007, que considerou que a contribuição social  sobre o lucro líquido (CSLL) era devida. Nessa perspectiva, o Supremo  Tribunal Federal estipulou a perda de efeitos da coisa julgada, relativa aos  tributos recolhidos de forma continuada, nos casos em que a Corte adote  posição diversa. E, desta forma, foi fixada a seguinte tese pelo Supremo  Tribunal Federal16

“decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral  interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em  julgado nas relações jurídico-tributárias concernentes aos tributos de  natureza continuada, respeitados os princípios da irretroatividade,  anterioridade anual e anterioridade nonagesimal, conforme a  natureza do tributo”. 

Por certo, o posicionamento adotado pela Suprema Corte, relativiza a  coisa julgada e põe em xeque o princípio da segurança jurídica. No caso em testilha, foi impetrado mandado de segurança contra ato de  Delegado da Receita Federal que não cumpriu a determinação constante na  sentença transitada em jugado em 16/12/1992, a qual declarou a  inconstitucionalidade da CSLL e garantiu ao contribuinte o direito de abster-se  ao pagamento do tributo em questão. Inobstante a existência de sentença com  trânsito em julgado pró contribuinte, o ato coator do mandado de segurança  desconsiderou os efeitos da coisa julgada, tendo como argumento o fato de o  Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a constitucionalidade da CSLL,  quando do julgamento da ADI nº 15, em 16/06/2007. 

Ao analisar o caso concreto, a Suprema Corte decidiu que todos os  contribuintes que se encaixem na hipótese de incidência do tributo,  independentemente da existência de coisa julgada em sentido diverso, estão  obrigados a realizar o recolhimento da CSLL. Como fundamento para tal  decisão, o ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto favorável ao ato coator,  valeu-se do artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil17 e dos princípios  da igualdade tributária e da livre concorrência, previstos no artigo 150, inciso II,  da Constituição Federal de 198818, e no art. 170, também da Carta Magna19,  respectivamente, aduzindo que deveriam prevalecer sobre o princípio da  segurança jurídica, insculpido no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição  Federal de 198820, a fim de garantir a igualdade dos contribuintes. 

Ainda, faz-se pertinente salientar que, a despeito de o citado ministro  apoiar-se no teor do artigo 505, inciso I, do Código de Processo Civil21, para  justificar e querer transparecer legalidade ao grande despautério relativo ao  novo entendimento fixado, é claro que, no presente caso, tal dispositivo é  inaplicável. 

17 Art. 505, Código de Processo Civil: 

Art. 505. Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma  lide, salvo:  

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de  fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;  […] 

18 Art. 150, Constituição Federal: 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos  Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] 

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,  proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,  independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; […] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:  <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023. 19 Art. 170, Constituição Federal: 

Art. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre  iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça  social, observados os seguintes princípios: […] 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos  brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,  à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] 

Efetivamente, no caso em comento, não há que se falar em modificação  no estado de fato ou de direito, mormente porque, no passado, a CSLL já tinha  sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como sendo constitucional no  bojo do Recurso Extraordinário nº 138.284, em julho de 1992, antes mesmo do  trânsito em julgado da sentença que reconheceu a inconstitucionalidade da  CSLL e gerou o Recurso Extraordinário nº 955.227, tendo, inclusive, o ministro  Luís Roberto Barroso, responsável por conduzir a tese vencedora, reconhecido  que o Supremo Tribunal Federal já entendia pela constitucionalidade da CSLL  em momento anterior ao julgamento proferido na Ação Direta de  Inconstitucionalidade nº 15, em 14/06/2007, de modo que plenamente  comprovada a inexistência de modificação fática ou de direito que seja apta a  fundamentar a mudança de entendimento da Suprema Corte.22 

Outrossim, cumpre registrar que a repercussão geral, inexistente à  época do julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284, porém, vigente no  momento da ADI nº 15, não é apta a alterar o estado de direito, ante a  inexistência de dispositivo legal que permita a supressão dos efeitos da coisa  julgada. Nesse toar, infere-se que o Código de Processo Civil somente admite  a revisão judicial da sentença com trânsito em julgado em caso de modificação  posterior à decisão judicial do estado de fato ou de direito. 

In casu, no presente julgamento do Recurso Extraordinário nº 955.227,  depreende-se que o Supremo Tribunal Federal ao fixar a tese de que as  “decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral  interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado  nas relações jurídico-tributárias concernentes aos tributos de natureza  continuada, respeitados os princípios da irretroatividade, anterioridade anual e  anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”23, fundamentando a  decisão nos princípios da igualdade tributária e da livre concorrência, em  detrimento da segurança jurídica, percebe-se que tal posicionamento, em  verdade, visa salvaguardar a Fazenda Pública, sobretudo, diante do claro  desrespeito ao nosso ordenamento jurídico. 

Deveras, se, de fato, a Suprema Corte estivesse realmente preocupada  com o contribuinte, não faria tanto esforço para exigir a cobrança do tributo,  impondo o seu recolhimento a todos aqueles que se encaixem na hipótese de  incidência, mas, ao invés, buscaria solução mais equitativa que não  prejudicasse o contribuinte abrangido pela coisa julgada que desobrigou ao  pagamento da CSLL, e, do mesmo modo, não colocasse em desvantagem  aqueles não abraçados pela decisão, adotando medida que equilibrasse a  situação em busca de um bem comum. Diante da coexistência de diversos  princípios dentro da legislação, cabe aos aplicadores da lei sopesá-los, porém,  sem extremismos e de maneira imparcial, o que não ocorreu no presente caso,  precipuamente diante do claro interesse da Suprema Corte em “alimentar” os  cofres públicos. 

Deste modo, infere-se que o posicionamento adotado pelo Supremo  Tribunal Federal provoca desestabilização e desequilíbrio das relações jurídico tributárias, bem como acarretará sérios prejuízos financeiros ao país com a  saída de investidores, haja vista que afronta o princípio da segurança jurídica,  responsável por garantir a estabilização e equilíbrio nas relações jurídicas. Neste sentido, ensina Harada24:  

O princípio da segurança jurídica pressupõe normas jurídicas  estáveis, regulares e previsíveis, porque conformadas com os direitos  e garantias fundamentais consagrados pela Carta Política em nível da  cláusula pétrea (Harada, 2018, p. 811) 

Ricardo Alexandre25, por sua vez, leciona: A segurança jurídica é, ao lado da justiça, um dos objetivos  fundamentais do direito. É fundamento para vários institutos no  ordenamento jurídico brasileiro, como o do direito adquirido, o do ato  jurídico perfeito, o da coisa julgada, o da prescrição, o da decadência  etc. A ideia sempre presente é a da certeza do direito, da certeza  de que as situações consolidadas pelo passar do tempo também  estarão juridicamente asseguradas. (grifo nosso) (ALEXANDRE,  2017, p. 153). 

Assim, posicionamentos e mudanças de entendimento como o adotado  no julgamento do Recurso Extraordinário nº 955.227 pelo Supremo Tribunal  Federal, representam, acima de tudo, um grande risco à ordem jurídica e ao  desenvolvimento econômico-financeiro em nosso país. 

4 – CONCLUSÃO 

Diante do exposto, entende-se que a mudança de entendimento pela  Suprema Corte, no que concerne aos tributos recolhidos de forma continuada,  representa uma agressão a todo o ordenamento jurídico pátrio, ao passo que  desrespeita princípio constitucional basilar das relações jurídicas – segurança  jurídica. 

À vista disso, verifica-se que as consequências deste novo entendimento  acarreta prejuízos às relações jurídicas, na medida em que provoca a sua  desestabilização e o seu desequilíbrio, bem como ao desenvolvimento  econômico pátrio, uma vez que afasta investidores e possíveis investidores no  Brasil, de modo a provocar a retirada de capitais do país. Somado a isto, a  saída de investidores, bem como a retirada de capitais do Brasil, gerará  aumento do desemprego, redução no recolhimento de tributos e  enfraquecimento de economia, o que afetará a saúde financeira do país. 

A fim de evitar consequências gravosas como as citadas nas linhas  anteriores, é preciso que os aplicadores do direito que integram os tribunais  superiores deste país estejam atentos ao fato de que ocupam cargos com  funções relevantes. Além disso, precisam ter consciência de que as decisões  por eles adotadas impactam o país inteiro com vastas consequências em  diversos setores. 

Deste modo, a observância dos princípios constitucionais, sopesando-os  de modo imparcial, com análise crítica de todo o contexto e respeitando a  ordem jurídica, revela-se como o melhor caminho para obtenção de um sistema  jurídico estável e desenvolvimento econômico-financeiro do Brasil.

SOBRE A AUTORA:

 

Sofia Mariane Martins Andrade – Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias – PUC/MG. Pós-graduanda em Gestão Tributária pela USP. Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT.Ex-membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB-SE. Assessora Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Tributarista de Inteligência de Negócios pelo IBPT.

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Instagram: @sofiiamartins

 

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