A transação fiscal como técnica de gestão tributária

RESUMO:

Este trabalho tem o objetivo de estudar a transação fiscal como uma possível técnica de gestão tributária a ser utilizado pelos contribuintes. Esse instrumento, previsto nos artigos 156, inciso III e 171 do Código Tributário Nacional, foi regulamentado pela Medida Provisória nº 899/2019 e pela Portaria nº 11.956/2019 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A pesquisa parte do conceito de transação fiscal, analisa suas características e busca traçar linhas gerais de atuação por parte dos contribuintes para que efetuem uma gestão tributária efetiva. Conclui-se que a transação fiscal era um importante elemento no instrumental previsto pelo Código Tributário Nacional e que ainda não havia sido regulamentado.

1. Introdução

No dia 16 de outubro de 2019, foi editada a Medida Provisória nº 899, que dispõe sobre a transação fiscal no âmbito da União, regulamentando o artigo 171 do Código Tributário Nacional. A transação fiscal é considerada como uma das modalidades de extinção do crédito tributário, por força do artigo 156, inciso III do CTN. Ter à disposição mais uma modalidade de extinção do crédito tributário favorece o contribuinte, devido à importância de se obter uma certidão de regularidade fiscal que ateste a inexistência de débitos para com o fisco. Resta saber, contudo, se a forma como foi regulamentado esse instituto trará benefícios de ordem prática para os contribuintes.

Feitas essas considerações, chega-se ao problema de pesquisa: A transação fiscal, da forma como foi regulamentada pela Medida Provisória nº 899, constitui um instrumento importante para a gestão tributária a ser realizada pelos contribuintes?

Para responder a essa pergunta, inicia-se o trabalho abordando o conceito de transação fiscal e o entendimento dos tribunais superiores a respeito do tema. Superado esse ponto, parte-se para o estudo das particularidades da transação fiscal trazidas pela Medida Provisória nº 899/2019, bem como pela Portaria da PGFN nº 11.956/2019. Por fim, é realizada uma abordagem da gestão tributária e de que forma a transação fiscal pode ser útil para o contribuinte no Brasil.

2. Transação Fiscal

A transação fiscal está prevista no artigo 156, inciso III do CTN como uma das modalidades de extinção do crédito tributário. A transação não se confunde com o mero pagamento da exação. Enquanto a transação configura-se como uma autocomposição realizada entre o ente tributante e o contribuinte, o pagamento, ainda que mediante parcelamento, previsto no artigo 156, inciso I do CTN, representa o cumprimento do dever originado da obrigação tributária principal. Nesse sentido, o Recurso Especial 663.564/DF, cuja ementa encontra-se transcrita abaixo:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DESISTÊNCIA EM RAZÃO DO PARCELAMENTO DO  DÉBITO. INCIDÊNCIA DE VERBA HONORÁRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 26, CAPUT, DO CPC.  DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1.  “O parcelamento também suspende a exigibilidade do crédito tributário, a ele se aplicando as disposições atinentes ao instituto da moratória. Mais uma confirmação de que se trata apenas de espécie (parcelamento) do gênero (moratória), como vêm proclamando, entre outros, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Mizabel Derzi e Leonor Leite Vieira” (CARVALHO, Paulo de Barros. “Curso de Direito Tributário”, 16ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004, pág. 446).

2. A transação, por sua vez, é forma de extinção do crédito tributário, conforme previsto no art. 156, III, do Código Tributário Nacional, implicando o término do direito de a Fazenda Pública cobrar o débito tributário, o que não acontece no parcelamento.

3. Assim, por se tratar de institutos distintos, quando o caso for de parcelamento do débito, não há falar em extinção da ação executiva, razão pela qual os honorários são devidos. Precedentes: REsp 514.351/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 19.12.2003; REsp 291.425/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 4.8.2003.

 

4. Recurso especial provido para restabelecer a sentença de primeiro grau de jurisdição.

Nas palavras de Hugo de Brito Machado Segundo (2018, p. 392), a transação fiscal é “o ato através do qual, por meio de concessões mútuas, sujeitos ativo e passivo põem fim a litígio existente em torno de crédito tributário, extinguindo-o”. Para entender o instituto da transação fiscal, é necessário compreender suas características. Preliminarmente, faz-se mister destacar que a Medida Provisória nº 899/2019 abrange tão somente os créditos tributários pertencentes à União.

De acordo com a referida Medida Provisória, a transação fiscal poderá se dar em três modalidades: (1) proposta individual ou adesão na cobrança de dívida ativa; (2) adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e (3) adesão no contencioso administativo de baixo valor.

Nos termos do artigo 4º da Portaria PGFN nº 11.956/2019, os débitos inscritos em dívida ativa da União que não superem os R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) só podem ser transacionados por meio de adesão à proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Entende-se que o foco das transações fiscais sejam aqueles créditos tributários considerados como de baixa recuperabilidade, assim entendidos como aqueles classificados como créditos dos tipos C e D, previstos no artigo 23, incisos III e IV da Portaria PGFN nº 11.956/2019. Ainda de acordo com o caput do referido artigo, a classificação dos créditos tribtários será dada a partir da observação da capacidade de pagamento do contribuinte.

Os benefícios possíveis de se obter por meio da transação fiscal estão elencadas no artigo 8º da Portaria PGFN nº 11.956/2019. Dentre as concessões previstas no artigo, estão o oferecimento de descontos aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação (créditos dos tipos C e D) e a possibilidade de parcelamento em até 84 parcelas, podendo chegar a até 100 parcelas, nos casos de transação envolvendo contribuinte pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte. O desconto obtido pode chegar a até 50% do valor total dos créditos a serem transacionados.

Contudo, dois destaques devem ser feitos à essas concessões previstas pela Portaria PGFN nº 11.956/2019. Em primeiro lugar, é importante frisar que os descontos aos débitos de baixa recuperabilidade não podem atingir o montante principal da dívida, por força do artigo 5º, § 2º, inciso I da MPV 899/2019.

Ademais, destaca-se que embora haja um tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas, nos termos do artigo 5º, § 2º, inciso III, alínea “a” da referida Medida Provisória, é vedada a transação envolvendo os créditos do Simples Nacional.

3. Gestão Tributária

A gestão tributária é entendida como sendo a atividade de gestão cuja finalidade é alcançar a racionalização no cumprimento das obrigações tributárias. Ela envolve o planejamento, a implementação de medidas e o controle das atividades empresariais relacionadas com a ocorrência do fato gerador e com as obrigações tributárias acessórias. Nesse sentido, Alexander Dias Siqueira (2011) define a gestão tributária como sendo:

 

Toda  atividade  que  vise  prevenir  os  agentes  econômicos  de possíveis custos, decorrentes: i) da falta de planejamento tributário, ii) da inobservância e  descumprimento  de  obrigações  acessórias  e  iii)  da  ineficácia  na  administração  do crédito tributário nas situações em que este possa vir a deixar de existir.

A gestão tributária tem diversas finalidades, dentre as quais se destacam: (1) a diminuição ou eliminação do tributo a ser recolhido; (2) o diferimento no pagamento, pelo maior tempo legalmente possível; (3) a redução nos custos envolvidos das obrigações tributárias acessórias; e (4) evitar sanções fiscais.

Dito isso, é de se concluir que a transação fiscal pode e deve fazer parte da gestão tributária, uma vez que, ao extinguir o crédito tributário, contribui para o objetivo de diminuição do tributo a ser recolhido. Um benefício adicional para a transação fiscal, conforme aprofundado anteriormente, é a possibilidade de obtenção de descontos, caso o crédito tributário seja de baixa recuperação.

É de fundamental importância, contudo, a observância do previsto no artigo 8º, inciso II, da MPV 899/2019, visto que há expressa previsão de que a rescisão da transação fiscal autoriza a Fazenda Pública a requerer a convolação da recuperação judicial em falência ou a ajuizar ação de falência, conforme o caso. Tal dispositivo vem sido alvo de críticas por servir de instrumento de coação moral por parte do ente fazendário. A possibilidade de requerimento de falência do contribuinte por parte da Fazenda Pública já foi tida como imprópria pelo STJ, conforme ementa do Recurso Especial 287.284/MG abaixo transcrita:

TRIBUTÁRIO E COMERCIAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ. ART. 204 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A FALÊNCIA DO COMERCIANTE CONTRIBUINTE. MEIO PRÓPRIO PARA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO AO REGIME DE CONCURSO UNIVERSAL PRÓPRIO DA FALÊNCIA. ARTS. 186 E 187 DO CTN.

I – A Certidão de Dívida Ativa, a teor do que dispõe o art. 204 do CTN, goza de presunção de certeza e liquidez que somente pode ser afastada mediante apresentação de prova em contrário.

II – A presunção legal que reveste o título emitido unilateralmente pela Administração Tributária serve tão somente para aparelhar o processo executivo fiscal, consoante estatui o art. 38 da Lei 6.830/80. (Lei de Execuções Fiscais)

III – Dentro desse contexto, revela-se desnecessário o protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública.

IV – Afigura-se impróprio o requerimento de falência do contribuinte comerciante pela Fazenda Pública, na medida em que esta dispõe de instrumento específico para cobrança do crédito tributário.

V – Ademais, revela-se ilógico o pedido de quebra, seguido de sua decretação, para logo após informar-se ao Juízo que o crédito tributário não se submete ao concurso falimentar, consoante dicção do art. 187 do CTN.

VI – O pedido de falência não pode servir de instrumento de coação moral para satisfação de crédito tributário. A referida coação resta configurada na medida em que o art. 11, § 2º, do Decreto-Lei 7.661/45 permite o depósito elisivo da falência.

 

VII – Recurso especial improvido.

Desse modo, sendo um instrumento que permite ao contribuinte estender o pagamento dos tributos em até 84 parcelas, podendo chegar a 100 parcelas, além dos descontos obtidos em caso de créditos de difícil recuperação, a transação fiscal representa uma possibilidade a mais a ser considerada pelo contribuinte quando da realização da gestão tributária.

4. Consideraçãoes finais

O passivo tributário da União é da ordem de aproximadamente 3 trilhões de reais. Grande parte desses créditos são cobrados em milhões de ações judiciais, que abarrotam o poder judiciário sem grandes perspectivas de gerar arrecadação, uma vez que boa parte desses créditos é de baixa recuperabilidade.

A regulamentação da transação fiscal no instrumental técnico à disposição do contribuinte certamente é um avanço, pois traz regras fixas para a transação, possibilitanto o parcelamento de dívidas e a concessão de descontos, sem que precise o contribuinte esperar por um novo programa de refinanciamento de dívidas tributárias.

É preciso que o contribuinte, ao realizar a gestão tributária, verifique se a transação fiscal é a melhor opção a ser seguida, uma vez que tanto a Medida Provisória nº 899/2019 quanto a Portaria PGFN nº 11.956/2019 impõem certas restrições à sua utilização.

AUTOR:

Felipe Queiroz

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Medida Provisória nº 899, de 16 de Outubro de 2019. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 out. 2019, p. 1.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018.

SIQUEIRA, Alexander Dias. Gestão Tributária. Revista CEPPG-CESUC. Paraná, n. 24, p. 136-157, jan. 2011.

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